poéticas da lama
"Meu corpo se fragmentou. Vamos pelo nariz.
Da matéria carne me dei no mar por onde passado, a brisa morna e úmida, escura de mar à noite, brilhante manto azul-verde durante o dia. Daí as falésias multicoloridas, como numa incursão na fragilidade arenosa, argilosa, com cheiro de alguma coisa esquecida. O mangue na vazante da manhã explode em micro sons borbulhando a lama incandescente, exalando aquilo que jaz. Caranguejo cego vagueia procurando pela matéria desfalésia, desfalecida, desfacelada, faces frágeis, celas, seladas de organismos que comem o se fundo. No fundo sem fundo, no oco do mundo me pari Nanã. Só que de matéria quase sólida arenosa pastosa folhagem raízes suspensas. Como se eu fosse corpomangue naquele desconhecido abismo retorcido e pegajoso. Me sentia em casa. Da lama ao caos ao choro. Mistura mar que transborda da gente com mar imenso que engole a gente. No limiar do berçário no escuro do parto nasci entre galhos deslocando as passagens de lá e de cá. Transbordando rio e mar, manguear sob o reflexo dos urubus. Ali pequenos fetos se alimentam de cadáveres. Sou também caranguejo e cadáver. Facetas da mesma falésia."
(Trecho de texto pubicado no catálogo da residência artística MOLA (2013) sobre a experiência vivida em Transcoso/BA)
Aqui estão algumas aparições em que mergulho em conversas sobre terrenos movediços: no manguezal da Praia dos Coqueiros em Trancoso/BA (2013), experimentações para o filme Projeteu (2015) e o Oráculo (OCO) (2015), trabalho feito para ser vivenciado com uma pessoa por vez.